AS POESIAS EM O DISCURSO DA PELE

A compilação de escritos e poesias contidas em O discurso da pele foram produzidas entre 2019 a 2022. Todo escrito em Fortaleza, as poesias fazem parte da coletânea O discurso da pele, poesias geradas a partir de vivências em bares e ruas do centro de Fortaleza, descrevendo o universo da socialização romântica e sexual entre pessoas LGBT, exclusivamente homens que frequentam os “lugares do prazer” em busca de relações afetivas ou avulsas.


O DISCURSO DA PELE

o discurso da pele

a ferida andante

a cicatriz confissão

confesso todas as minhas feridas a ti, ó palavra cortante

quão profundo o corte da navalha falante

quão longo é seu discurso que não falha

nem só a voz fala

nem só o corte sangra

tudo sangra quando é profundo


ABISMO

existe um abismo na avenida chamado solidão

existe um andante na avenida chamada solidão

existem muitos abismos andantes na avenida

cada abismo um habitar de feridas

cada ferida um abismo que em mim habita



GARGANTA

somente os versos que foram escritos no desabar

sustentam esse sopro que arde na alma

difícil acalentar os tigres soltos da jaula da jugular

nós atados na garganta aprisionam as alucinações



PITAYA

teu abraço é um incêndio

apaga esse fogo com um beijo

me molha o corpo na base da boca

suga com força e escreve numa folha:

te incendeio a noite toda



ELEFANTE

Aqui habitam os mais simples sujeitos,

entregues a mais pomposa verdade

a cerveja barata, a ferida estancada

Surpreende ver seus semblante

absortos por tranquilidade

toco em mim e cá me misturo, triste cidade!


Marcho entre nervos azuis de intensidade

onde nem eu mesmo saberia onde guardar

minha melancolia e coragem

É tão forte o que sinto

que penso haver em cima do meu peito

um pesado elefante cinza

que me amedronta, me faz medo



20h43min (MELANCOLIA E CORAGEM)

Escrevo em um bar de qualidade duvidosa,

com pessoas de aparência razoável,

assim como eu, que busco a razoabilidade da cortante realidade,

ausente de certezas e verdades.

Escrevo num pedaço de guardanapo

Tomando o que tomo num copo descartável

Encaro o fundo do copo vazio, não sei quantos,

imagino quanto me sairá caro


Há sangue em minha boca e na minha camisa

Sangra meu peito, sangra minha língua +5901

Passeio as palavras de noite e de dia

Como posso apagar as palavras que me doía?

Verei o sol brilhando em um horizonte imaginado,

sem perdas e ganhos


Perdi

Ah, eu perdi


Até mesmo os motoristas perdem o controle nas rodovias

Até os poetas deslizam e se arruínam em rimas

Escrever é uma ruína, e na realidade é comum ter uma visão distorcida

de um quase fim de ano sem música na pista, sem beijo, sem saliva

Sem o tempero do macarrão servido em prato azul no final do dia

há o cheiro de melancolia e coragem em qualquer linha que escrevia



EXÍLIO

Mapeio um bar vazio

colorido de solidão

vendo uma moça sentada sozinha,

com a cerveja que comprou

com seu último tostão


Exilada do próprio seio

ali bate um coração e você não percebeu

Encontro esta mulher nas poesias que leio

E agora confesso o crime que cometeu:

Amou demais, sem medo




INVENÇÃO

A noite e eu estávamos sozinhos

logo desviamos da solidão

plantar uma semente estrela

esperar crescer constelação


um manto fino de pensamentos

me lança na noite escura

meu corpo flutuante invade a penumbra

meu grito não se faz suficiente

para me salvar



O PASTOR DE LUAS (OU O GUARDADOR DE LUAS)

que belas flores brotam no teu jardim

cada cor germinada pela terra parece não ter mais fim

por um momento pensei estar no paraíso,

mas é apenas o teu quintal e a luz do divino


piso nessa grama verde que exala esse aroma infinito

perambula meu corpo, me beija, me agarra

sou um pastor de luas que visito tua casa,

mas você partiu antes da minha chegada


seguro forte meu cajado e me derramo em lágrimas

a lua me pastora, e eu pastoro a lua

essa é minha sina

debaixo da lua chorei tua partida



COLHEITA

é tão incerto o caminho

que costuro na pele macia da noite

é quando me perco que me guio

não me assumo mas me permito

invento mil palavras

perfumo os versos

abraço os verbos

arremesso em direção ao infinito

não o vejo

não o toco

eu o invento





PORNÔESIA

por

pornô

po

esia

por

esia



JOGO

essa ameaça percorre meu corpo

sou a travessia desse animal que me amedronta

ele pausa. ele avança.

ele escala divinamente essa

montanha e me alcança

como ele consegue tal façanha?

ser tão lindo e perigoso


uma peça no seu jogo


teus olhos de tigre me caçam

na selva sou tua presa

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